domingo, 1 de janeiro de 2012

Religião?

Vittoria o observava.
- Acredita em Deus, senhor Langdon?
Ele não esperava aquele tipo de pergunta. A seriedade na voz de Vittoria era ainda mais desconcertante do que a indagação. Se eu acredito em Deus? Esperava que pudessem conversar sobre um assunto mais leve para o tempo da viagem passar mais depressa.

Um enigma espiritual, pensou Langdon. É assim que meus amigos me chamam. Apesar de ter estudado religião durante anos, não era um homem religioso. Respeitava o poder da fé, a bondade das igrejas, a força que a religião dava a tantas pessoas. Entretanto, para ele, a suspensão intelectual da descrença que era imperativa se alguém verdadeiramente desejava "crer" havia sido sempre um obstáculo grande demais para a sua mente acadêmica.
- Quero acreditar - ouviu-se dizendo.
O tom da réplica de Vittoria não dava a entender que ela estivesse fazendo qualquer julgamento ou desafio.

- E por que não acredita?
Ele deu uma risadinha.
- Bem, não é assim tão fácil. Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de milagres, como a imaculada Conceição e a intervenção divina. E existem ainda os códigos de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há exigências semelhantes e penalidades semelhantes. Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o inferno. Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira.

- Espero que não deixe seus alunos se esquivarem de perguntas assim com tanta desfaçatez.
O comentário pegou-o desprevinido.
- O quê?

- Senhor Langdon, não perguntei se acredita no que o homem diz sobre Deus. Perguntei se acredita em Deus. Existe uma diferença. As escrituras sagradas são histórias... lendas e a história da busca do homem para compreender sua própria necessidade de significado. Não pedi que desse sua opinião sobre literatura. Estou perguntando se acredita em Deus. Quando se deita sob as estrelas, não sente a presença do divino? Não sente em seu íntimo que está diante da obra de Deus?
[...]
- Certo. Como cientista e filha de um padre católico, o que você pensa da religião?
Ela fez uma pausa, afastando uma mecha de cabelo dos olhos.
- Religião é como um traje ou uma língua. Gravitamos em torno de práticas com as quais fomos criados. No final, porém, todos proclamamos a mesma coisa. Que a vida tem um sentido. Que somos gratos ao poder que nos criou.

A resposta intrigou Langdon.

- Então, está dizendo que ser cristão ou muçulmano depende do lugar onde se nasceu?
- Não é óbvio? Veja a difusão da religião pelo mundo afora.
- Quer dizer que a fé é aleatória?
- Dificilmente. A fé é universal. Nossos métodos específicos para compreendê-la são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a Meca, outras estudam partículas subatômicas. No final estamos todos apenas buscando a verdade, aquela que é maior que nós mesmo.
Langdon desejou que seus alunos fossem capazes de se expressar com tanta clareza. Ele próprio gostaria de saber se expressar com aquela clareza!
- E Deus? - ele perguntou. - Você acredita em Deus?
- A ciência me diz que Deus tem de existir. Minha mente me diz que nunca vou compreender Deus. E meu coração me diz que eu não fui feita pra isso.
Isto que é concisão, pensou ele.

- Então, acredita que Deus é fato mas que nunca o compreenderemos.
- A compreenderemos - corrigiu ela, com um sorriso. - Seus índios nativos tinham razão.
Langdon deu uma risadinha.
- A Mãe Terra.
- Gaea. O planeta é um organismo. Todos nós somos células com diferentes finalidades. No entanto, somos entrelaçados. Servindo uns aos outros. Servindo ao todo.




(Brown, Dan. Anjos e Demônios. Rio de Janeiro, Sextante, 2005 - Cap. 31, Pg. 94-96)